sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Um conto.

Toda vez que leio esse conto do Oscar Wilde, ele me parece mais atual.




O Rouxinol e a Rosa

Um rouxinol vivia no jardim de uma casa.
Todas as manhãs, uma janela se abria e um jovem estudante comia seu pão, enquanto olhava a beleza do jardim. Sempre caiam farelos de pão no parapeito da janela.
O rouxinol comia os farelos, acreditando que o jovem os deixava de propósito para ele.
Assim, criou um grande afeto por aquele que se preocupava em alimentá-lo, ainda que com migalhas.
Um dia, o jovem estudante se apaixonou.
Mas, ao se declarar, sua amada impôs uma condição para retribuir seu amor:
Que na manhã seguinte ele lhe trouxesse a mais linda rosa vermelha para que ela usasse no grande baile.
O jovem percorreu todo os jardins e floriculturas da cidade, mas sua busca foi em vão. Nenhuma rosa...Muito menos vermelha, desolado, ele foi pedir ajuda a um jardineiro perto de sua casa.

-Jardineiro, jardineiro! Amanhã à noite o Príncipe dá um baile, disse o Estudante, e a minha amada se encontrará entre os convidados. Se levar uma rosa vermelha, ela dançará comigo até a madrugada. Somente se lhe levar uma rosa vermelha... Ah... Como queria tê-la em meus braços, sentir-lhe a cabeça no meu ombro e a sua mão presa a minha. Mas não há rosa vermelha em lugar algum... e ficarei só; ela apenas passará por mim... Passará por mim... e meu coração se despedaçará.

Por entre as folhas, do seu ninho, no carvalho, o Rouxinol o ouviu e, vendo-o ficou penalizado com a desolação do jovem...

O jardineiro declarou que ele poderia presenteá-la com petúnias, violetas, cravos... Qualquer flor, menos rosas.
Elas estavam fora de época; era impossível conseguí-las naquela estação.

Com os olhos cheios de lágrimas o estudante disse: – Ah! Como a nossa felicidade depende de pequeninas coisas! Já li tudo quanto os sábios escreveram. A filosofia não tem segredos para mim e, contudo, a falta de uma rosa vermelha é a desgraça da minha vida.

Os músicos da galeria – prosseguiu o Estudante – tocarão nos seus instrumentos de corda e, ao som de harpas e violinos, minha amada dançará. Dançará tão leve, tão ágil, que seus pés mal tocarão o assoalho e os cortesãos, com suas roupas de cores vivas, reunir-se-ão em torno dela. Mas comigo não bailará, porque não tenho uma rosa vermelha para dar-lhe... – e atirando-se à relva, ocultou nas mãos o rosto e chorou.

O rouxinol se emocionou escutando tudo aquilo e disse pra sí:
-Eis, afinal, um verdadeiro apaixonado! Tenho cantado o amor noite após noite, sem conhecê-lo, no entanto; noite após noite falei dele às estrelas, e agora o vejo... Eis um verdadeiro apaixonado... Do que eu canto, ele sofre. O que é dor para ele é alegria para mim. Grande maravilha, na verdade, é o Amar! Mais precioso que esmeraldas e mais caro que opalas finas.

O rouxinol compreendeu a angústia do Estudante e, silencioso, no carvalho, pôs-se a meditar sobre o mistério do amor.

Subitamente, abriu as asas pardas e voou.
Tenho que fazer algo para ajudar esse amigo a conseguir a flor.

Cortou, como uma sombra, a alameda, e como uma sombra, atravessou o jardim.
A ave então procurou o Deus dos Pássaros, e depois de contar-lhe tudo, o Deus dos pássaros falou: - Você pode conseguir uma rosa vermelha para o seu amigo...mas é tão terrível que não ouso revelar-te.
-Dize. Não tenho medo.
-Se queres uma rosa vermelha, hás de fazê-la de música, ao luar, tingi-la com o sangue de teu coração. Tens de cantar para a roseira com o peito junto a um espinho. Cantarás toda a noite para ela e o espinho deve ferir teu coração e teu sangue de vida deve infiltrar-se em suas veias e tornar-se dela.

-A morte é um preço exagerado para uma rosa vermelha – exclamou o Rouxinol – e a Vida é preciosa... É tão bom voar, através da mata verde e contemplar o sol em seu esplendor dourado e a lua em seu carro de pérola...

Mas parou um pouco, lembrou das migalhas de pão que o alimentaram até ali, da historia de amor do seu amigo, e disse: Eu concordo! O Amor é melhor que a Vida. E de que vale o coração de um pássaro comparado ao coração de um homem?

Abriu as asas pardas para o vôo e ergueu-se no ar. Passou pelo jardim como uma sombra e, como uma sombra, atravessou a alameda.

O Estudante ainda estava deitado na relva, no mesmo ponto em que o deixara, com os lindos olhos negros inundados de lágrimas.

-Rejubila-te – gritou-lhe o Rouxinol pra ele – Rejubila-te; terás a tua rosa vermelha. Vou fazê-la de música, ao luar. O sangue de meu coração a tingirá. Em conseqüência só te peço que sejas sempre verdadeiro e amante, porque o amor é mais sábio do que a Filosofia; mais poderoso que o poder. Tem as asas da cor da chama e da cor da chama tem o corpo. Há doçura de mel em seus braços e seu hálito lembra o incenso.

O Estudante ergueu a cabeça e escutou só um forte e esplendoroso canto. Nada podia entender o que dizia o Rouxinol, pois el entendia apenas a língua dos homens.

Quando escureceu, o rouxinol emaranhou-se em meio a uma roseira que ficava em frente a janela do jovem. Ali, pôs-se a cantar eu canto mais alegre, pois precisava caprichar na formação da flor. Um grande espinho começou a entrar no peito do rouxinol, e quanto mais ele cantava, mais o espinho entrava em seu peito. Mas o rouxinol não parou.
Continuou seu canto, pela felicidade de um amigo. Um canto que simbolizava gratidão, amizade. Um canto de doação, até mesmo da própria vida!

Primeiro descreveu o nascimento do amor no coração de um menino e uma menina; e, no mais alto galho da Roseira, uma flor começou a desabrochar, extraordinária, pétala por pétala, acompanhando um canto e outro canto. Era pálida, a princípio, qual a névoa que esconde o rio, pálida qual os pés da manhã e as asas da alvorada. Como sombra de rosa num espelho de prata, como sombra de rosa em água de lagoa era a rosa que apareceu no mais alto galho da Roseira.

O Rouxinol então apertou ainda mais o espinho junto ao peito, e cada vez mais profundo lhe saía o canto porque ele cantava o nascer da paixão na alma do homem e da mulher.
E tênue nuance rosa nacarou as pétalas, igual ao rubor que invade a face do noivo quando beija a noiva nos lábios.

Pela manhã, ao abrir a janela, o jovem se deteve diante da mais linda rosa vermelha, formada pelo sangue do rouxinol.
Nem questionou o milagre, apenas colheu a rosa.

Ao olhar o corpo inerte da pobre ave, o jovem disse:
Que ave estúpida! Tendo tantas árvores para cantar, foi se enfiar justamente em meio a roseira que tem espinhos.
Pelo menos agora dormirei melhor, sem ter que escutar seu canto chato.

É muito triste, mas infelizmente...
Cada um dá o que tem no coração.
Cada um recebe com o coração que tem.


( Musica do dia - Glenn Mederios - nothing gonna change my love for you )

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